quarta-feira, julho 13, 2005

Derrota

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Com um simples olhar sinto em meu corpo o desnudar absoluto de ódio e brutalidade, apontas as minhas vergonhas com o dedo espetado na direcção de muito para além, espalhas aos ventos as minhas fraquezas, saboreias o meu corpo, percorres o côncavo e convexo e, mesmo assim não tens a coragem de me perdoar, pois sabes que nada há para perdoar. Nos teus gestos, em cada um deles, uma agressão, dentro e fora da cama. Sinto que me violentas com um simples sorriso que não deixas que aflore aos teus lábios. Do teu olhar o despontar do meu corpo que nada mais é do que o liquidar de toda a minha integridade e das jóias descoloridas fazes merda, do meu suor enxofre, sangue da minha saliva. Acredita, eu também não te amo, odeio quando viras o rosto para os meus beijos e desvias o corpo das minhas carícias. O nunca prevalece e nos funde, o sempre nos domina e nasce a luta entre nós que nos acovarda e nos afasta. Vejo os teus ataques e depois o esconder do nada que existe e, nas mãos cerradas ocultas os medos. Todos os medos que sublinham a minha mediocridade, que enfatizam os meus erros e permito que ajoelhes junto ao meu cadáver. Nada mais é do que o assassínio do meu mundo, o desprezo da minha luz, o abominar da escuridão para onde mergulhei. Ai essa tua não intenção que, com uma suposta superioridade tentas diminuir sentires que a razão teima em desprezar.

Nada mais me resta do que deitar a correr por todos os caminhos de terra batida, sem que fiquem marcas nem levante pó. Atravessar milhas e mais milhas de caminhos tão íngremes que o simples respirar é já um esforço. Arranco galhos, tropeço em pedras mas nada mais quero do que fugir para algum lugar e pouco importa onde. Quando chegar saberei que cheguei. Nasci para morrer na praia, deixar que se espalhe por ondas que se recusam a se espraiarem e aí eu perdi. Sempre perco no final

Ainda estás aí? Fica então. Mil portais se lançam para que eu volte, para que não me deixes. Eu grito que corro, mas és tu que não podes abandonar-me. Sei que não consigo explicar, mas a verdade é que também não faço qualquer esforço para o fazer. Deixo correr as palavras ao ritmo do sentir. É este precisar que não consigo entender. Preciso que cuspas em mim, mas mais preciso que olhes para mim, que não me ignores, que me diminuas, que me jogues na lama, se for esse o teu desejo, mas não me esqueças. Preciso dar a mão para alguém, preciso não estar só. É o gás carbónico inalado aos poucos, as veias a me levarem ao coma. És a sombra que eu não tenho. Os pregos nos meus pulsos. Como eu preciso ser carregado, porque sempre perco no final. Bem que podes me guiar, massacrar, eu sempre perco. É claro que eu não sei escolher as palavras, não posso dizer nada de bonito, tudo aquilo que não vou além do sussurro. Nem cantar nem tocar. Meus talentos se limitam abaixo de zero. Meu talento maior é roer as unhas e morder os lábios até verterem em sangue. Meu talento é arranhar os braços até arderem, deixando sulcos e vergões. Sempre perco no final.

3 comentários:

Anónimo disse...

Alexandre, dás-nos mais uma carta plena de alma, paixão e garra. Adoro a forma como descreves essa "travessia do deserto"! beijos :-)

BlueShell disse...

É a 1ª vez que aqui venho e ...fiquei sem palavras perante a tua escrita....tão bela, tão expressiva...
Obrigada.
Mil e um beijos e bom fds
Da
BShell

Somente EU mesma!!! disse...

Entendi porque não consegui responder...!!! Os seus textos são perfeitos... Os meus são desabafos de sentimentos tristes... Um diário!!! Mesmo assim obrigada...

Janaína Rovari