sábado, fevereiro 26, 2011
domingo, janeiro 09, 2011
segunda-feira, outubro 01, 2007
Apenas uma tela
Quisera partir numa nuvem
Com a alma pura,
terna,
bela.
E suspenso pairar
sobre o tempo,
sobre a esfera
Mergulhar no céu imenso
E longe de mim
e do mundo,
Sonhar.
Pairar sobre calmarias
Apartada de tormentas,
Abraçar gentis quimeras,
Embalar, terna, a esperança,
E alcançado o infinito
Planar por entre as estrelas
Embeber a alma nelas
E continuar a Sonhar.
E que o dia e a noite juntas
Vestissem o horizonte
E salpicassem o Sonho
De cores ternas,
quentes,
eternas.
E o Sonho fosse
Apenas uma tela.
Apenas uma tela.
quinta-feira, outubro 05, 2006
No inicio era o verbo
Sempre que a noite chega,
a solidão vem me falar de ti.
a solidão vem me falar de ti.
E a saudade penetra em meu coração
como um pouco de luar
dentro de minha noite imensa.
Vai deixando aos poucos seu toque magnífico
de beleza e suavidade.
Vai deitando prata nos recantos mais sombrios.
Vai enfeitando de luz as flores mais singelas.
Assim é a saudade.
Consegue transformar em beleza
a tristeza infinita do presente...
porque traz para mim o encanto
das horas mortas do passado.
domingo, janeiro 29, 2006
Diário de um alma errante (V)
Noite 14.715
Há noites em que, com o meu eterno caderno de capas pretas aberto, esferográfica entre os dentes, olhando o vazio que me envolve, tento ordenar os sempre desordenados pensamentos, procurando, muitas vezes em desespero, uma lucidez transformada em palavras legíveis e compreensíveis, não apenas para mim própria, mas para quem, um dia, estes cadernos caiam nas mãos. Confesso a minha incapacidade, pois são mais as vezes em que abandono o caderno, sem que uma linha seja escrita.
Esta noite decidi não pensar e permitir que os dedos sigam o seu curso, no desenho das palavras que o desconexo ditar. E depois esta chuva a fustigar as vidraças e o frio que nenhum aquecimento consegue vencer.
Qual o momento em que somos concebidos, num acto de amor, raiva ou acaso, determina o caminho que vamos percorrer? Somos o feto e, enquanto tal, pertencemos a um todo, respiramos angústias, sentimos alegrias e sorrimos quando recebemos transmissões de prazer, até ao momento em que, como um corpo estranho, somos expulsos do casulo de protecção e dois nomes são retirados do dicionário: mãe e filha. Mas a que foi chamada de mãe, não vai se libertar de imediato, pois é preciso calar a boca do pequeno ser que, sôfrego, agarra o seio que lhe é oferecido, ainda com um sorriso tímido e receoso. Os seus braços tentam aconchegar o mais possível ao seu corpo, para que o interior não faça tanta falta aqui fora. Pelo menos não tão já.
Apesar de verão, o frio é forte, dominador, é preciso fogo para salvar o pequeno ser, fogo da carne, quentura do peito da mãe, chamas de um amor que vai crescendo, tomando consciência da sua própria existência. Um saber que nenhuma faculdade do mundo consegue ensinar. Ela sempre sabe o que a gente precisa ou deseja e, naquele instante aceitamos o que vier. Se doce for, os traumas serão menores. Se amargo, vai ficar a marca e fica difícil digerir depois.
Podemos sorrir, até mesmo rir, mas as agressões que sofremos durante toda a vida, até mesmo quando bebé, fica escrito em sangue na nossa testa. Aquele momento em que levamos uma palmada em público, por algo que a nossa idade ordenou, muito longe de um extermínio de um povo. Naquele dia em que estava muito frio e ninguém nos estendeu um cobertor. Quando suplicamos por aquela boneca de trapos, vendida na feira por tuta-e-meia, recebendo em troca uma palavra amarga.
Nunca fui uma criança fácil, reconheço. Acho que ainda sou. Sei as causas dos males, ainda guardo a imagem de cada buraco em mim, cada tiro desferido, mesmo aqueles que falharam o alvo. Sei quem sou, apesar de não saber para onde vou. Sei quem é quem e também sei que pouco posso fazer para apagar esse passado. Sair por aí fora com uma metralhadora e apontar para a cabeça de todo o mundo, eliminando inocentes e culpados, eu sei, em consciência ser impossível. Não que, por vezes, a vontade não cresça. Quem sabe se não seria uma forma de acabar com as guerras, todas essas que por aí abundam. Fazer de mim a causa. Absorver todo o pó que o vento levanta em todas as estradas de terra, não ía adiantar muito. Cuspir na cara dos meus anos não vai me salvar e, por enquanto, não sou capaz de colocar fim em mim mesma. Sorrio, enquanto escrevo, pelo ridículo de todo este pensamento.
Pelo caminho ficou um casamento, um emprego que se perdeu e uma esperança que não renasceu. Por agora tenho este caderno de capas pretas e, de quando em vez a companhia um tanto fugidia de um pouco de calor, a quentura de um corpo apressado, uns momentos de prazer e noites, muitas, de solidão.
Hoje eu não queria. Juro que hoje eu não queria. Não queria pensar nele, nos seus olhos que brilham quando sorri ou quando escurecem com o que ele, teimosamente chama de lágrimas, por saber que não deseja fazer a troca. Por aquela mentira, que ambos tão bem sabemos, um dia eu faço. Não vai fazer. Eu sei. Ele sabe. Aqui eu procuro na reminiscência da minha meninice, qual a marca que identifique esta minha solidão.
Parou de chover. Parou, mas eu ainda estou com muito frio. Puxo para mim a manta, tentando ganhar coragem para ir para a cama. Dois travesseiros, uma só cabeça, para neles deitar. Estender um braço e encontrar o vazio. Não sei se era isto que eu queria escrever hoje, mas foi isto que escrevi.
Há noites em que, com o meu eterno caderno de capas pretas aberto, esferográfica entre os dentes, olhando o vazio que me envolve, tento ordenar os sempre desordenados pensamentos, procurando, muitas vezes em desespero, uma lucidez transformada em palavras legíveis e compreensíveis, não apenas para mim própria, mas para quem, um dia, estes cadernos caiam nas mãos. Confesso a minha incapacidade, pois são mais as vezes em que abandono o caderno, sem que uma linha seja escrita.
Esta noite decidi não pensar e permitir que os dedos sigam o seu curso, no desenho das palavras que o desconexo ditar. E depois esta chuva a fustigar as vidraças e o frio que nenhum aquecimento consegue vencer.
Qual o momento em que somos concebidos, num acto de amor, raiva ou acaso, determina o caminho que vamos percorrer? Somos o feto e, enquanto tal, pertencemos a um todo, respiramos angústias, sentimos alegrias e sorrimos quando recebemos transmissões de prazer, até ao momento em que, como um corpo estranho, somos expulsos do casulo de protecção e dois nomes são retirados do dicionário: mãe e filha. Mas a que foi chamada de mãe, não vai se libertar de imediato, pois é preciso calar a boca do pequeno ser que, sôfrego, agarra o seio que lhe é oferecido, ainda com um sorriso tímido e receoso. Os seus braços tentam aconchegar o mais possível ao seu corpo, para que o interior não faça tanta falta aqui fora. Pelo menos não tão já.
Apesar de verão, o frio é forte, dominador, é preciso fogo para salvar o pequeno ser, fogo da carne, quentura do peito da mãe, chamas de um amor que vai crescendo, tomando consciência da sua própria existência. Um saber que nenhuma faculdade do mundo consegue ensinar. Ela sempre sabe o que a gente precisa ou deseja e, naquele instante aceitamos o que vier. Se doce for, os traumas serão menores. Se amargo, vai ficar a marca e fica difícil digerir depois.
Podemos sorrir, até mesmo rir, mas as agressões que sofremos durante toda a vida, até mesmo quando bebé, fica escrito em sangue na nossa testa. Aquele momento em que levamos uma palmada em público, por algo que a nossa idade ordenou, muito longe de um extermínio de um povo. Naquele dia em que estava muito frio e ninguém nos estendeu um cobertor. Quando suplicamos por aquela boneca de trapos, vendida na feira por tuta-e-meia, recebendo em troca uma palavra amarga.
Nunca fui uma criança fácil, reconheço. Acho que ainda sou. Sei as causas dos males, ainda guardo a imagem de cada buraco em mim, cada tiro desferido, mesmo aqueles que falharam o alvo. Sei quem sou, apesar de não saber para onde vou. Sei quem é quem e também sei que pouco posso fazer para apagar esse passado. Sair por aí fora com uma metralhadora e apontar para a cabeça de todo o mundo, eliminando inocentes e culpados, eu sei, em consciência ser impossível. Não que, por vezes, a vontade não cresça. Quem sabe se não seria uma forma de acabar com as guerras, todas essas que por aí abundam. Fazer de mim a causa. Absorver todo o pó que o vento levanta em todas as estradas de terra, não ía adiantar muito. Cuspir na cara dos meus anos não vai me salvar e, por enquanto, não sou capaz de colocar fim em mim mesma. Sorrio, enquanto escrevo, pelo ridículo de todo este pensamento.
Pelo caminho ficou um casamento, um emprego que se perdeu e uma esperança que não renasceu. Por agora tenho este caderno de capas pretas e, de quando em vez a companhia um tanto fugidia de um pouco de calor, a quentura de um corpo apressado, uns momentos de prazer e noites, muitas, de solidão.
Hoje eu não queria. Juro que hoje eu não queria. Não queria pensar nele, nos seus olhos que brilham quando sorri ou quando escurecem com o que ele, teimosamente chama de lágrimas, por saber que não deseja fazer a troca. Por aquela mentira, que ambos tão bem sabemos, um dia eu faço. Não vai fazer. Eu sei. Ele sabe. Aqui eu procuro na reminiscência da minha meninice, qual a marca que identifique esta minha solidão.
Parou de chover. Parou, mas eu ainda estou com muito frio. Puxo para mim a manta, tentando ganhar coragem para ir para a cama. Dois travesseiros, uma só cabeça, para neles deitar. Estender um braço e encontrar o vazio. Não sei se era isto que eu queria escrever hoje, mas foi isto que escrevi.
segunda-feira, janeiro 23, 2006
Diário de um alma errante (IV)
Noite 14.695
Foi ontem, depois de despir os trapos do dia e enfiar o conforto de umas calças e uma camisola, largas que se fartam, mas que me dão uma sensação de liberdade e conforto, da qual me recuso a dispensar. A roupa ideal para aquele abandono do fim do dia, quando temos a certeza que não vamos ter nenhuma visita e nos deixamos afagar pela quietude do silêncio da casa.
Tinha mais preguiça do que fome, pelo que arranjei, de um jeito indolente, uma sandes de queijo, uma maçã e um copo de sumo. Decidi que esse seria o meu jantar. Num exercício de equilíbrio levei tudo nas mãos, deixei-me cair no sofá, com um suspiro de cansaço e coloquei na mesinha em frente. A mesma cuja principal utilidade é permitir-me estender as pernas e apoiar os pés. Ainda não consegui outro uso que não esse.
Foi no momento em que endireitava o corpo que reparei num pequeno rectângulo colorido no chão. Tratava-se de um pequeno calendário de bolso. Deve ter caído da carteira, pensei. Para quem, como eu, que nunca sabe a quantas anda, um calendário é um bem precioso. Apanhei-o do chão e virei-o de um lado para o outro. Reparei no ano. Um calendário de há cinco anos. Um círculo feito com uma caneta azul, marcava um dia do quinto mês. Ia levar o copo de sumo aos lábios, mas fiquei a meio do movimento. Fechei os olhos, mas as imagens, nítidas, insistentes, em três dimensões continuaram volteando à minha frente. Foi nesse dia que nos conhecemos, naquela pequena loja de animais. Compravas comida para o teu cão e eu, umas guloseimas para o meu gato. Sorrimos e falamos de animais. E assim aconteceu e eu marquei o dia com um círculo a azul.
Alguns dias depois voltamos a nos encontrar no mesmo local. Dessa vez trocamos as nossas compras, eu comprava alimento e tu, guloseimas. Sem saber muito bem porquê, os nossos sorrisos foram um pouco diferentes. Nem mesmo sei de quem partiu o convite para um café, não que isso tenha grande importância.
Não entendo muito bem porquê, mas no princípio é sempre o verbo. O verbo e aquela excitação do primeiro contacto, daquele roçar leve dos lábios, uma fugidia carícia, aquele pele com pele. E esse momento nada mais é do que a simples conjugação do verbo. Sinto que é um verbo difícil de se conceber, de sentir o germe de um todo e mais difícil ainda de se expelir e eu sei, oh, como sei!, o quanto é importante despachá-lo para conquistar o equivalente a um fio de cabelo que seja, de liberdade.
Cinco anos. Cinco anos de prazeres exultantes, de mentiras concebidas no desejo, de ausências, de presenças fugazes, de silêncio prolongados, de gritos perdidos no deserto, ilusões de uma realidade por parir.
Atirei com o pequeno rectângulo para cima da mesinha e conclui que tinha perdido o apetite, mas decidi dominar a vontade no que seria mais uma cedência e, com esforço continuei a comer. As recordações alimentam a alma mas não o corpo, pensei com algum sarcasmo e dei-me conta que sorria.
terça-feira, janeiro 10, 2006
Marx ou Deus?
Nota introdutória.
Quando iniciei estes espaços, mais conhecidos por blogs, depois de ter viajado por largas dezenas e ter descoberto um mundo absolutamente fascinante, resolvi fazer duas promessas a mim mesmo. A primeira era que jamais me meteria em politica (chegaram os cinco anos em que fui director de um jornal) e a segunda é que nunca falaria na minha pessoa. A razão da primeira, e isto dito de uma forma directa e simples, é que a politica me enoja. Ponto. Quanta à segunda existem várias vertentes. Começo por dizer que admiro as pessoas que se desnudam nos seus blogs, eu não tenho essa coragem, a seguinte é que a minha vida é tão sem interesse, que prefiro o mundo da invenção.
Este texto que hoje aqui insiro, foi a pedido e foi um Editorial que escrevi no final de 75, na altura em que o meu filho mais velho tinha entrado para a então terceira classe. Mais uma vez não vou tecer comentários. Transcrevo apenas o Editorial. Nem imaginam as reacções que tive. Fui chamado de todos os nomes existentes e muitos outros inventados. Mas valeu a pena. Só porque fui lido. Apenas por isso.
Tem oito anos o Miguel Alexandre e vai este ano para a terceira classe. Numa das conversas que habitualmente temos, fez-nos perguntas sobre Deus, religião, origem da humanidade, o céu como habitação dos que morrem, etc. Perguntas alicerçadas em ideias um tanto confusas e até falsas, denotando um perfeito e total desconhecimento. Perguntas oriundas de conversas de brincadeiras com outros miúdos e de palavras ouvidas aqui e além, sem nexo, sem base. Falhas em absoluto de ideias,
Respondemos conforme pudemos e soubemos, sentindo que não havia a mais pequena coadunação entre a pergunta e a resposta, pelo que, constantemente, tivemos de rectificar a pergunta para encontrar o esclarecimento mais correcto possível. Sentimos não uma qualquer mistificação alienante de ideias, mas sim uma tremenda confusão e absoluta ignorância, factos que nos assustaram como pais e educadores.
Foi nesse momento que recordamos a leitura de uma local no jornal “O Concelho de Proença-a-Nova”, jornal que frequentemente aborda temas educacionais com profundidade e interesse, proporcionando-nos momentos de óptima e reflectida leitura. Trata-se de uma frase dita por uma criança à sua professora de instrução primária: “Minha senhora, os livros não falam de Deus!”
Folheamos, em exame mais atento e constatamos, mais uma vez que a Verdade continua na boca das crianças: os livros não falavam de Deus, como passavam praticamente em branco a nossa História,
Também fazemos eco de uma exigência justa de que o ensino tem de ser um natural direito de todos, pela que a sua democratização é absolutamente urgente e necessária, mas cremos ser também necessária uma democracia pedagógica. Não pode, nem deve, ser esquecido, o ambiente que rodeia a criança, fora dos livros escolares.
Através da leitura de Marx, verificamos que a laicização faz parte do seu programa ideológico. Esta concepção marxista do mundo e do próprio homem foi colocada de repente, e em pouco tempo, perante os espíritos ainda virgens dos nossos pequenos estudantes. E estes não conseguem encontrar a mínima ambiência que os tem rodeado, e ainda continua a rodear, quer queiram quer não.
Entendemos que o estudo sociológico de Marx ou de qualquer outro pensador deverá ser ensinado e até aprofundado o seu estudo; o contrário seria estropiar uma realidade cultural e um corte na liberdade de saber; mas isso não pode significar a eliminação pura e simples de uma raiz religiosa e histórica, que é bem nossa, e o negar essa realidade seria o mesmo que negar a nossa existência como povo, cuja história atravessou oceanos e, com toda a justiça nos devemos orgulhar. Que seria de um povo sem o seu orgulho histórico?
Aos pais compete exercer a sua responsabilidade no processo educativo dos seus filhos, intervenção perfeitamente reconhecida, mas sem as mínimas bases estruturais que permitem um efectivo exercício desse direito e dever.
Como pais temos uma palavra a dizer e é no diálogo conjunto que temos de procurar descobrir os caminhos e objectivos que permitam a construção do equilíbrio na educação dos nossos filhos.
Eliminar Deus dos livros escolares não esclarece as crianças das multifacetadas realidades que as rodeiam, neste conturbado momento, em que todos nós procuramos a melhor estrada a percorrer. Se anteriormente existia um certo excesso, em que o esclarecimento simples era sobreposto pela alienação e até uma certa mistificação história, actualmente verifica-se que existe a mesma sobreposição, só que, talvez, um pouco mais subtil, por isso mais perigosa, mas não o suficiente que a criança não descubra que os livros não falam de Deus.
Das escolas primárias deverá sair o homem de amanhã, formado para a liberdade, para a responsabilidade, imbuído de capacidade de abertura e receptivo aos valores morais e históricos a que pertence, pelo que a escolas não se podem dissociar da realidade humana e social do nosso País.
Não pode ser negado nem escondido a uma criança que inicia a sua formação, o contexto social português onde se encontra inserida, assim como toda uma realidade que a envolve.
Para que a sua participação na construção da sociedade se torne activa deve ser-lhe incutida a capacidade suficiente de olhar os factos, as situações envolventes e a informação possuídas de um desmistificado sentido critico à procura da verdade.
Destruir as raízes fundamentais do valor histórico de um Povo, seria destruir a nossa própria essência de homens.
terça-feira, dezembro 20, 2005
FELIZ ANO NOVO
Que todos os desejos, mesmo os mais simples e insignificantes, mas sempre tão importantes, se realizem em pleno, em 2006.
quarta-feira, dezembro 14, 2005
Fim de semana inesquecivel
Não tenho complexos quanto à minha formação. Arranquei uma licenciatura a ferros em psicologia, que nunca cheguei a exercer, jamais me passou pela cabeça fazer uma pós graduação e muito menos um mestrado, fosse do que fosse. Naquele momento arrependi-me amargamente de não o ter feito. Durante toda a noite enfrentei um mestrado em sensualidade amorosa e um doutoramento em sexo contorcionista. Tudo contra o meu auto didactismo. Valeu-me a minha capacidade de aprendizagem rápida e a faculdade que sempre tive em me adaptar às situações mais exigentes. Tinha algo a meu favor: seja qual for a formação, a capacidade imaginativa acaba sempre por dominar. E momentos houve em que dominei. Tirei o meu mestrado. Confirmei o meu doutoramento. Aclamado com distinção. Exigência do repetir. Mas aquele dominar cedendo que nos faz tremer, estremecer, fechar os olhos e deixar-se ir. E todos os outros momentos. Foi sempre do meu apreço aquele principio, uma vez eu, outra vez tu e quando o milagre acontece, porque não ao mesmo ritmo e tempo. E depois a igualdade é muito bonito e nunca fez mal a ninguém. Não sei se bati o meu recorde, na verdade nem mesmo sei se tenho algum recorde, mas que perdi a conta, lá isso perdi.
Acordei com o sol batendo-me na cara. Acho que não cheguei bem a dormir duas horas. Ora, para dormir há sempre tempo!
- Foi o sol que te acordou? – Perguntou, deitada a meu lado. – Durmo sempre de persiana aberta. Deu para descobrir.
- Foi o sol e uma fome danada. – Respondi. Na noite anterior o jantar tinha sido leve. E depois o exercício físico sempre me abriu o apetite.
- Será que ainda aguentas um bocado? – Um sorriso completava a pergunta.
Podem não acreditar, mas senti o meu corpo tremer todo. Não passo de um homem perfeitamente normal, não possuo nenhuns super poderes e não suporto sequer a ideia de ouvir: não tem importância, querido, isso acontece. Sentia-me esgotado, vazio e sem forças para fazer qualquer movimento. A não ser que se esteja casado há mais de dez anos, ninguém tem a coragem de dizer isto a uma mulher linda, perfeita e deitada nua a nosso lado. Rodei o corpo, estendi um braço e nos beijamos.
Mais uma vez mostrou que se tratava de uma mulher refinadamente inteligente e de fino trato. Deixem para lá os pormenores, mas aquilo que eu pensava que só depois de uns bons quinze dias de absoluto repouso é que voltaria a dar acordo de si, eis que, sem qualquer constrangimento ou timidez, não se fez rogado e grita presente. Compreensiva, encarregou-se ela de todo o trabalho, se é que tal palavra se deve empregar. A mim restou-me estar presente. Uma presença suavemente participativa. O cansaço não me permitia os ímpetos da noite anterior. Deu para cumprir e não deixar os créditos por mãos alheias.
Foi um fim de semana absolutamente inolvidável. Jamais faço projectos, mas acho que, em dado momento, fiz alusão a um futuro qualquer. Coisa leve, quase imperceptível, mas que foi o suficiente para me preocupar. Foi algo de instintivo. Não gostei. Felizmente ela não o entendeu como tal ou se entendeu fez de conta que não, e a coisa passou em branco. Atirei as culpas para o cansaço.
A nossa despedida do fim de semana decorreu durante o jantar num pequeno e acolhedor restaurante em Cascais. Enquanto pousava na mesa o copo de água, depois de ter bebericado uns pequenos golos, disse-me que no dia seguinte, às cinco da tarde, apanhava o avião para os Estados Unidos. Fora convidada para uma faculdade e pensava montar arraiais por aquelas bandas. A notícia fora de chofre e, no primeiro segundo, não reagi. Em boa verdade, que raio de reacção é que eu haveria de ter? Fiz perguntas de circunstâncias e durante a sobremesa desejei-lhe um mundo de felicidades. Recebi um convite para a visitar e a promessa que me escreveria.
Deixei-a à porta de casa e ali nos despedimos. Não fui ao aeroporto. As despedidas naquele local sempre me angustiam.
Já passaram sete meses e até agora não recebi nem sequer um simples postal. Cá no meu intimo também não esperava receber. Acho ser esta a razão, pela qual não consigo recordar-me do nome dela. Sou capaz de repetir palavra por palavra, todas as nossas conversas, descrever com precisão cada curva do seu corpo, cada marca na sua pele, cada gemido, cada sorriso, mas não consigo recordar como era mesmo o seu nome. É tão estranho este esquecimento que muitas vezes sou assaltado pela dúvida, se ela alguma vez, me tenha dito o seu nome.
Na próxima, nem que tenha de tirar fotocópia do bilhete de identidade. Juro que não vou esquecer.
sábado, dezembro 10, 2005
Fim de semana inesquecivel (4)
A pontualidade, para mim, é um ponto de honra. Talvez seja uma qualquer costela britânica, resultado de algum devaneio de um antepassado meio, que não tinha coisa melhor do que escolher uma inglesa. Se tal for, não passa de uma bastardia, pelo que não me vou dar ao trabalho de consultar a árvore genealógica. Eram oito em ponto quando o dedo indicador premia o botão do sexto esquerdo, do número 27. Por razões óbvias, dispenso-me de referir a rua. Com um estalido a porta abriu-se. Perguntar quem era, para quê, se estava ali câmara a transmitir para um pequeno ecran a minha cara. Apanhei o elevador, rápido e silencioso. O do meu prédio range por todos os lados em sinal de sofrimento em cada subida e descida. Só mesmo os corações fortes, é que conseguem utilizar aquela geringonça.
Não foi preciso tocar novamente, pois mal me aproximei, esta abriu-se. Recordava os olhos azuis, o cabelo loiro e as coxas perfeitamente modeladas. Todo o resto estava um pouco confuso na minha memória. Naquele momento refresquei a memória e regalei-me. Ela tinha tudo o que eu, lá muito no meu íntimo, gostava de ver numa mulher. Suavidade na maquilhagem, cabelo penteado a transmitir liberdade e uma vontade louca de passar os dedos, um vestido de linhas simples a moldar o corpo, mostrando os bicos dos seios e duas finas linhas em forma de V, indicando a única peça íntima. Tudo o resto, promessas. Um mundo de promessas!
- Vou buscar a bolsa. – Disse, franqueando-me a entrada. Fiquei sem saber se a devia seguir, ou ficar ali. Limitei-me a dar dois passos e aguardei. Nem sequer fechei a porta. Vá lá saber porquê.
Ainda hoje estou para saber como é que eu consegui conter-me, enquanto descíamos no elevador. Jesus, aquele perfume!
Sugeri um restaurante muito simpático, com um serviço excelente, vista para o rio, ali para os lados de Santa Apolónia. Um jantar suave. Não, acho que não foi um jantar romântico. Conversamos sobre tudo, rimos com discrição que o lugar exigia e usufruímos do prazer um do outro. Posso dizer que se tratou de um jantar perfeito.
Um passeio pela marginal, a noite convidava, um copo num pequeno bar da praia e o regresso. O principio do fim de uma noite maravilhosa. Benditos pés doridos!
Jamais resisti a um convite embrulhado com um sorriso. Claro que aceitei o pouco imaginativo, último copo. Voltamos a utilizar o elevado, entramos em casa e acedi à sugestão de me pôr à vontade e, de uma forma displicente, coloquei o casaco nas costas de uma cadeira e desapertei o nó da gravata. Refastelei-me no sofá e aguardei.
- Vou preparar as bebidas. Disse. Cá no meu íntimo, achei que era apenas um modo de falar. Recordo que, durante o serão ambos termos reconhecido que não éramos muito apreciadores de bebidas alcoólicas.
Puro engano. Dois copos, balde de gelo e uma garrafa de “Martins”. Lixei-me! Há três coisas às quais tenho uma tremenda dificuldade em resistir: Livros, mulheres e “Martins” vinte anos. Obviamente nem sempre por esta ordem.
A… não acredito! Continuo a não saber como era mesmo o nome dela. Uma coisa eu tinha de reconhecer, além de uma mulher muito bonita, com um corpo de deixar um pobre diabo como eu, sem respiração, era uma excelente conversadora. Engenharia de gestão e já com um mestrado no seu currículo. Se alguma vez me passou pela cabeça aquele hábito já tão cansado, da loira com um livro de arte gótica só por causa das imagens serem bonitas, após os primeiros cinco minutos de conversa logo se dissipou. Para os seus 34 anos. Até que não estava nada mal servida. Portanto, aquela afirmação de estar a folhear um livro de arte gótica apenas porque as fotografias eram fascinantes, não tinham passado de pura treta. Claro que não gosto de, enquanto faço amor, dissertar sobre engenharia financeira. Mas como não fumo, até que pode ser um tema interessante nos intervalos.
Saboreamos as bebidas que não ultrapassou, nem no meu nem no dela, um dedo de altura, falamos de futilidades, brincamos com as pedras de gelo nos copos e fizemos silêncio durante breves segundos, olhando um para o outro. Levantou-se, estendeu-me uma mão num leve e suave convite e sorriu. De mãos dadas, acompanhei-a até ao quarto. Caímos nos braços um do outro e nossas bocas se uniram. Gosto de luta, mas acabo sempre por ser vencido, a sua língua conquistou espaço e, irrequieta, se divertiu. As mãos percorriam os corpos, não sabendo exactamente à procura de quê.
Afastou-se um pouco, o suficiente para que eu, apenas com um simples movimento de olhos pudesse admirar todo o seu corpo. Com a ponta dos dedos afastou as alças do vestido e, com um leve, quase imperceptível movimento de ancas, fez com que o vestido descesse suavemente, afagamento o seu corpo, até ficar a seus pés. E ficou. Ali, Parada. Sorrindo apenas. Oferecendo a meus olhos toda a beleza do seu corpo. Os bicos dos seios fitavam-me de frente, desafiadores. Depositei em cada um deles, um beijo. Acho que foi isso que fiz, mas não posso jurar. Moveu-se lentamente e deitou-se na cama. Pura poesia em movimento.
Sei que nos filmes, o herói fica nu em dois segundos. Eu levei um tempo dos infernos para arrancar a porcaria da roupa. (Continua. Está quase.)
quinta-feira, dezembro 08, 2005
Fim de semana inesquecivel (3)
Abriu porta dos bancos traseiros do seu Peugeot 407, sentou-se numa ponta, tirou os sapatos e colocou as pernas em cima do banco. Dei a volta e abri a outra porta. Olhei em volta numa tentativa um tanto desesperada, de encontrar uma posição relativamente cómoda. Logo conclui que, na vida nada é fácil e tudo tem que ter um preço. Lá consegui encontrar uma forma de executar a árdua tarefa de massajar os pés da coitada, à custa, diga-se, de uma boa dose de dores nos rins. Creme, massagem e a visão de umas coxas perfeitas e, lá no fundo, um triângulo branco, ligeiramente transparente.
As massagens, para mim, são sempre um campo por descobrir. Quero dizer que não sou nenhum perito, mas tenho sempre uma tremenda disposição para aprender. Ai, esta minha fome de sabedoria! Por vezes faço descobertas sensacionais, outras cedo à tentação de explorar novos horizontes e, de quando em vez, tenho a sorte de encontrar alguém disposta a ensinar. Nestas circunstâncias sou sempre um aluno atento e esforçado. Só que, nessas ocasiões, tenho uma posição mais cómoda. Confesso que não tenho memória de alguma vez ter ficado com uma terrível dor nos rins. Num dado momento, a dor era tão aguda que a minha vista ficava turva e eu não conseguia ver com nitidez até lá ao fim. Paciência, não se pode ter tudo.
Mas que raiva! Como é mesmo nome dela? Deslocou aquelas duas belezas para baixo, calçou os sapatos e saíu do carro. Pelo meu lado, endireitei-me e, disfarçadamente, esfreguei os rins. Reconheço que não sou bom de rins, mas sempre me desenrasco no jogo de cintura.
Como tudo aquilo me pareceu um tanto estranho e com uma boa dose de exotismo, desde o primeiro sorriso até àquele momento, não consegui projectar para um futuro imediato o que poderia vir a acontecer. Desde o tempo em que dançar era um exercício executado por dois corpos bem juntinhos que sei que a melhor coisa a fazer é seguir o compasso da música, não pisar os calos do parceiro e, se possível, dar ligeiros apertões, de modo disfarçado. Pois que assim seja. Dei a volta ao carro e fiquei junto dela.
- Será que nos podemos encontrar de novo? – Perguntou.
Perguntar ao esfomeado se quer comer… Só uma resposta possível, onde, como, quando, pode ser já? Claro que não foi nada disso que disse. Afinal, que diabo, sou um cavalheiro.
- Terei nisso o maior prazer. – Respondi com o melhor e mais fascinante dos meus sorrisos.
- Tenho de o compensar por todo este trabalho. Será que posso convidá-lo para jantar?
Naquele momento, a uma velocidade superior à da luz, passou pela minha mente mais de um milhão de formas de me compensar. No final, fiquei-me por umas duas ou três. Também não convém ser exagerado.
- Mas claro que sim. – Respondi. – Qual é o melhor dia para si? Hoje é quarta, que tal na sexta?
- Para mim está óptimo. Telefona-me, marcamos a hora e espero por si.
- Combinado. Na sexta telefono-lhe. Mas posso fazer mais logo, só para saber como estão os seus pés. – Quem não arrisca não petisca. Aquiesceu de imediato e eu fiquei a vê-la a ir-se embora. Na minha mão um pequeno papel com um número de telemóvel.
Ainda fiquei ali por mais uns instantes parado, sem saber se havia de voltar para a Fnac ou se me metia no carro e ía embora. Resolvi pela segunda opção. Duvido que conseguisse a necessária concentração para prosseguir a leitura. Só que, por uma questão de respeito pelo trabalho de cada um, decidi num ápice, comprar o livro do Paul Auster. Não seria decente começar a ler um livro e não ir até ao fim. Sou muito rigoroso no que se refere a livros. Ora, uma pessoa pode ter as suas manias. Eu cá tenho as minhas.
Ao serão peguei no papel e comecei a marcar o número, mas parei a meio. Não estaria a ser precipitado? Mas ela aceitou a ideia de lhe telefonar mais tarde. Não queria transmitir uma ideia de que estava ansioso por voltar a ouvir a sua voz. Esta minha impaciência, um dia, ainda me causa dissabores. Que se lixe. Completei a marcação e aguardei até ser atendido.
Uns minutos de conversa sem grande sentido, uma ligeira referência aos pés e ao valor terapêutico do creme, um breve agradecimento à minha massagem e a promessa, que ambos sabíamos que nunca será cumprida, de ter mais cuidado na próxima vez que comprar sapatos. Culminou tudo isto na confirmação do encontro para sexta e uma pergunta da minha parte se poderia telefonar no dia seguinte. Mais uns quantos minutos, poucos, ocupados na troca de simpatias, sorrisos e piropos. O trivial.
Confesso que estou a sentir-me mal. Chegar a esta altura dos acontecimentos e continuar sem conseguir lembrar-me do nome dela é, no mínimo, confrangedor. E já perdi a conta aos inúmeros exercícios de mnemónica e nada. Já referi o sinal de nascença, em forma de losango, dez centímetros e quarenta e quatro milímetros exactos, abaixo do umbigo? Pois já. (Continua. É chato, mas tem de ser)
sábado, dezembro 03, 2005
Fim de semana inesquecivel (2)
- Aprecia arte gótica? – Perguntei, apontando para o livro.
- Isto? Não. Tem é umas fotografias espectaculares. Foi apenas um pretexto para me sentar um pouco. São estes sapatos novos que me dão cabo dos pés. – Disse, com um sorriso de parar o trânsito.
Naquele momento o Paul Auster foi dar uma curva, mais o seu Inventar a Solidão, com a secreta promessa de, mais tarde, comprar o livro. O que acabei por fazer. É que eu jamais fico indiferente a uma mulher dorida.
- Conheço um creme, produto natural, que resolve isso em segundos.
- Palavra? Que nome tem esse creme?
- Sou péssimo para decorar nomes de cremes, mas sei que é um frasco com um rótulo verde e azul com plantas. Logo que o veja o identifico. Se o desejar, podemos ir à loja dos produtos naturais e lhe indicarei qual. – Custa alguma coisa ser simpático? Acho que não.
- Faz isso por mim? – Que raio de pergunta. Fazia isso e muito mais. Tudo o que ela pedisse, desejasse ou sonhasse.
Levantamo-nos e dirigimo-nos para a saída. Pensei que não tinha comprado o livro que pretendia, naquele momento. Esperava que o creme compensasse a perda.
Achei por bem fazer as apresentações. Disse-lhe o meu nome e ela o dela. Chiça, acho que agora tinha mesmo a obrigação de me lembrar!
Descemos pelas escadas rolantes e pouco depois entramos na loja de produtos naturais. Dirigi-me de imediato ao local dos cremes e encontrei o que procurava. Sei o nome mas não o vou dizer. É que nem sempre resulta e eu não quero responsabilidades.
- Aqui tem. Mas olhe que a aplicação deve ser acompanhada por uma boa massagem. – Observei, sem segundas intenções, claro.
- Aposto que a sabe aplicar. – Disse, sorrindo com alguma malícia.
- Em boa verdade, considero-me um perito. – Ora, uma mentirinha sem importância. Haverá alguém que não saiba dar uma massagem nos pés? Duvido.
- E agora? Tenho o creme, mas continuo com as dores nos pés. – Olhou para o frasco e depois para mim.
Alguém me pode explicar, como é que uma pessoa se deve comportar numa circunstância destas? Eu não conheço a brasa de lado nenhum, não tenho exactamente uma figura em que as mulheres caiem babadas aos meus pés só de me verem, de Adónis não tenho nada. A maioria das vezes fico invisível no meio da multidão. Aspecto de rico também não. O facto de lhe ter oferecido o creme, nem chegou a dez euros, não prova nada. Que eu saiba a Fnac não é um habitual local de engate. O que é que um pobre diabo como eu podia dizer numa situação daquelas. Acho que só uma coisa: na minha ou na tua. Lembrei-me que a mulher a dias não ía ao meu apartamento há mais de quinze dias, um filho doente, acho. Não é difícil de adivinhar o estado em que se encontrava. Se bem me recordo, não havia lugar nenhum onde não houvesse uma peça de roupa minha. Não, o meu apartamento, não era, de facto, o melhor local. Por outro lado, um conhecimento de poucos minutos, não oferecia suficiente confiança para convidar um desconhecido para sua casa. Depois, eu não sou assim tão sortudo que vá para a cama com uma mulher com tudo em cima, sem indícios de silicone – mais tarde verifiquei a veracidade desta afirmação – nem nada para por defeitos, minutos depois de a conhecer. A coisa comigo funciona com muito mais dificuldade e trabalho e nem sempre é coroada de êxito. Não que isso me chateie de sobremaneira, na verdade prefiro que o meu lado romântico prevaleça. Um jantar à luz de velas, um passeio ao entardecer, horas escorreitas a conversar sobre a importância das futilidades, um beijo fugidio, uma tímida carícia. Enfim, coisas do meu intimo.
- Se lhe dói assim tanto, posso dar-lhe uma sugestão. – Disse, com toda a seriedade estampada em meu rosto.
- Diga. Sou toda ouvidos. – E ficou na expectativa.
- Aplicar-lhe o creme aqui nos corredores, não seria o melhor espectáculo. Se concordar podemos ir ao parque de estacionamento, senta-se no meu carro e eu faço o tratamento. O que acha? – Ao ver o meu carro, ía logo descobrir que era um teso.
- Aceito. Mas pode ser no meu carro. Eu tenho mesmo de ir embora.
Nada mais me restava senão aceitar. Segui-a até ao estacionamento. Num dado momento, ela colocou-se dois passos à minha frente à minha frente. Saia branca, justa, pois claro. Nada de fio dental. Ergui os olhos aos deuses, profundamente agradecido. Não gosto de fio dental. Prefiro a descoberta ao descoberto. E depois aquilo não dá trabalho nenhum, não oferece resistência, não deixa adivinhar nada, não permite o desvio. O deslocar. Brancas, num V perfeito, indiscutível, marca bem visível. Não tenho nenhum fetiche com cuecas, mas sou de opinião que é a cor que melhor se molda ao corpo de uma mulher. Acho o preto horroroso e o vermelho de muito mau gosto. Bem, também não sou contra a uma leve transparência. Aquelas tinham. Perfeitas, ondulantes, oferecidas. Antes que me desse alguma, apressei o passo e coloquei-me a seu lado. Dois ou três centímetros mais baixa. Mas será que aquela mulher não tinha defeitos? Começava a duvidar.
Bom, os dedos já começam a ficar um pouco doridos pelo rodopiar da caneta. É que, além de continuar a não me recordar do nome dela, não sei como hei-de contar esta cena da massagem dos pés, no carro. Mas já que cheguei até aqui… (Continua)
terça-feira, novembro 29, 2005
Fim de semana Inesquecível
Como era mesmo o nome dela? Boca de lábios carnudos, olhos azuis brilhantes, seios altivos, desafiadores, auréola rosada e bicos quase sempre erectos, e não estava com frio nem excitada, não naquele momento, coxas torneadas, cu de nádegas cheias, levantadas e redondas e o mais perfeito triângulo de pelos púbicos cuidadosamente aparados, numa simetria de perfeição, que tive o prazer de contemplar. Demasiado, na minha opinião, pois de vez em quando picava. Mas como era mesmo o nome dela? Tinha um sinal, que parecia um losango, visto do lado da coxa esquerda e um rectângulo quem mira do lado direito, três centímetros abaixo do umbigo. Rigorosamente. Tive o cuidado de medir. Com uma régua. Esta minha mania da precisão!
Foi numa tarde miraculosamente livre e eu vagabundeava pelos corredores dos meus vícios e prazeres, música e livros, mais estes últimos, no meu local de tertúlia solitária, a Fnac. Perco-me no meio dos vídeos, deixando que um qualquer titulo sorria para mim o suficiente para o retirar da prateleira. Daquela vez todos se mostraram sisudos. Paciência, por lá continuaram. Na música o espaço é mais limitado, como limitadas são as minhas preferências. Música que não me dê cabo dos tímpanos, que me obrigue a fechar os olhos e sonhar. É só isso que peço. Melodia. Não sou, nem quero ser, nenhum erudito na música. Se me proporcionar momentos de prazer, já me dou por satisfeito. Desta vez não encontrei nenhum disco novo da Bethânea, o último da Calcanhoto já o tinha e o Roberto, o meu Roberto Carlos só edita um por ano. Razão mais do que suficiente para mergulhar no meu mundo; os livros.
Vagueava entre todos aqueles títulos à procura de um que fosse minha companhia por umas horas. Pretendia um que não tivesse muitas páginas pois gostaria de chegar ao fim. Sem saber exactamente porquê e confesso que, no momento nem foi motivo de preocupação, apanhei um livro. Inventar a Solidão era o título e o seu autor Paul Auster, um ilustre desconhecido para mim na altura. Hoje faz parte da minha biblioteca. Mas se na música e nos filmes não sou lá grande aventureiro, nos livros e nas mulheres não hesito um segundo para me lançar no desconhecido e na aventura. E que prazeres intensos foram já descobertos!
Procurei o conforto do assento, suspirei de puro prazer um tanto lânguido, confesso, e enfiei a cabeça na primeira página. Ah, esqueci de dizer que isto se passou vai para mais de sete meses. Há que colocar as coisas no seu tempo certo.
Apesar de não ser uma escrita que nos agarra logo nos primeiros parágrafos e nos obriga a concentrar a nossa atenção sôfrega em cada linha, prendeu o meu desejo de leitura. Ia na página dezassete a iniciar o segundo parágrafo que começava assim, isto se a memória não me falha: “Um número de telefone rabiscado à pressa nas costas de um cartão comercial…”, quando levantei os olhos e a vi. Sentada quase à minha frente, pernas cruzadas, saia para além do meio das coxas, blusa rosa velho de generoso decote. Folheava, um tanto distraída, um livro de arte gótica. Voltei ao livro, à página dezassete e ao segundo parágrafo. Repeti a leitura da primeira frase e não passei da quarta palavra. Impossível ignorar o livro de arte gótica, ali mesmo, à minha frente.
Descruzou as pernas e as minhas esperanças se defraudaram pois usava cuecas. Só mesmo nos filmes. Como a olhava, possivelmente com uma cara de parvo, coisa que faço com muita facilidade, achou-se na obrigação de sorrir. E porque não? Estávamos num local público, cujos frequentadores eram seleccionados pela lei da ignorância. No “Tavares” é a lei do dinheiro que selecciona os clientes. Volteei o olhar pela floresta de livros e títulos, sem outro propósito que não fosse o disfarçar, porque para onde eu queria mesmo olhar era para as coxas e para o rego das mamas, que o decote tão generosamente deixava ver. Que diabo, um homem por muito que goste de livros também não é de ferro! Por instantes, menos de um segundo, fixei a capa de um livro de Marcel Proust. Mas não passou disso, pois logo regressei à razão do meu sobressalto. Como era mesmo o nome dela?
Voltou a sorrir-me e desta vez achou por bem dirigir-me a palavra. Fazer o quê, com o raio desta timidez! Não é que dure muito, mas no início é sempre assim. Depois acabo sempre de agradecer os cursos de oratória e retórica com um americano, que pouco falava português, no hotel Tivoli. Confesso que ainda hoje estou para entender como é que o tipo nos compreendia tão bem.
- Será que podemos estar aqui a ler livros? – Perguntou, inclinando-se para a frente. Um movimento natural ou propositado? Que se lixe! Eu cá gostei. Mais um pouco e conseguia ver-lhe o umbigo pelo decote. Dentes perfeitos. Bolas, nem tudo é pecaminoso!
- Este espaço é para isso mesmo. – Respondi. – Claro que acabamos sempre por comprar qualquer coisa. – Conclui, tentando explicar. Afinal aquilo não é nenhuma biblioteca pública.
- Venho aqui muitas vezes, mas é a primeira vez que me atrevo a sentar. Sorriu, endireitou o busto e trocou a posição das pernas. Desta vez não segui o movimento. Porra, quem me manda a mim ser educado?
Pensei responder-lhe que tinha escolhido o melhor momento. Claro que não fiz.
- Eu sempre me sento aqui um pouco. Quando tenho algum tempo livre, o que não acontece com muita frequência.
Mas que merda de presunção a minha. Senti-me um idiota chapado. Emprestei uma importância desmedida a uma coisa tão simples como sentar-me na Fnac e roubar uma ou duas horas de leitura. Onde tinha eu a cabeça? Repousando nas mamas ou entre as coxas dela? Bolas, não era isto que eu queria dizer. Mas que foi o que pensei no momento, lá isso foi. (Continua)
domingo, novembro 27, 2005
Em demanda
Eu sei muito bem que tu sabes, mais do que adivinhas, que eu morro de raiva de ti. Desse teu jeito um tanto ridículo de fingir que não me queres, que não me desejas. Que não me olhas de soslaio quando nos cruzamos e o fazes todo o dia, a cada instante e, quando não estou, é esse o teu desejo. Que me respiras a toda a hora, sempre que cerras os olhos e o teu pensamento voa até mim pela madrugada dentro. Sabes o que me irrita? Essa tua atitude de construíres o engano, em mim, em ti e em todo o mundo. Tu finges e eu finjo que acredito e o tempo vai-se escoando por entre os nossos dedos. Eu sei, tu sabes e, na verdade, toda a gente sabe, mas nós teimamos em ignorar.
Não vou mentir, tu sabes que sou assim, porque isso digo que detesto essa tua mania de me evitar por serem fracas as forças de me resistir. Na verdade não é isso que desejo. Apenas anseio que termine a tua própria resistência e partamos em demanda do espaço que seja nosso. Essa tua constante dissimulação faz fraquejar a minha vontade e eu fico, sentado naquele penedo olhando o mar, única companhia da minha solidão. E desta forma tu escapas do meu pensamento e conquistas o meu desafecto. Morro de raiva de ti, do que sinto e não devia, do que sentes e não mereço. E toda esta vontade de afagar o teu rosto com a ponta dos meus dedos, de beijar o teu pescoço, de deixar a marca, a nossa marca. Aquela que só nós identificamos.
Gostaria de te arrancar desse teu esconderijo e voltar a afogar-me nesse teu cheiro e assistir ao lento progredir da química perfeita que os nossos cheiros possuem, deixar que a metamorfose se conclua. Ainda recordo aquele instante em que descobrimos a forma como eles se combinam para formar o perfume que sempre acaba por nos inebriar. Lembro que disseste entre risos cristalinos que, se pudéssemos prender num frasco, ele nos renderia uma fortuna. E eu respondi que ninguém vende a sua alma. Tu retorquiste com um beijo, cujo sabor ainda o mantenho.
E é aqui que eu sinto a raiva a crescer de não conseguir descobrir a fórmula, decifrar a equação e não encontrar outro cheiro que em mim seja o adequado. Inadequado é odiar o teu atraso, a tua distância, o teu propositado deixar andar. Um dia, talvez, quem sabe, quando tiver a certeza que não fico presa, que não te aprisiono, dizes. Ouço e fico no meu silêncio. A ele me abraço e deixo que me transporte para outros espaços, para outros tempos. Tempos que o tempo esqueceu. Mas tu não desistes e continuas não desejar construir um passado que ainda não vivemos.
Pensas que não sei, que tudo fazes para manter essa imagem de quem nada precisa, muito menos de mim, mas no fundo, os teus pensamentos são povoados com a minha presença e, apesar da distância, respiras o mesmo ar que eu. E é nesses instantes que descobres, mas não reconheces, que não sabes mais viver sem mim. Eu sei, tu sabes e, na verdade todo o mundo sabe. Para quê então as desculpas, mais para ti própria do que para mim, as fugas a uma realidade que já nos absorveu? Sabes que começo a ter medo desse teu medo? Essa é a razão porque o odeio, mais o meu do que o teu e nem me perguntes porquê. Não vais perguntar porque nessas tuas madrugadas de silêncios encontras sempre todas as respostas.
Detesto escrever em vão e sei que vais fingir que não leste, mesmo depois de ter imprimido e lido esta carta dezenas de vezes, até decorares cada palavra, saberes de cor a posição de cada vírgula. Mas fazes questão, com um ar apressado, que não leste, falta de tempo, justificas, não recebeste, explicas, atirando para outros uma responsabilidade inexistente.
Abomino essa tua maneira de fingir desfazer os meus sentidos, de desprezar as minhas coisas, as mais simples, aquelas que construí e todas as outras que sempre sonhei construir. Grito, de calças arregaçadas, pés descalços, no meio das ondas que se espraiam na areia. Falo em silêncio, olhando para o horizonte em todos os fins de tarde. Escrevo palavras que, apesar de afundado numa inconsciência, a minha consciência vai ditando e a caneta desliza pelo papel, falhando por vezes a tinta, o que me faz zangar. Por fim o nada e o nunca se conjugam e eu, exausto, deixo-me cair na cama onde sei que não vou dormir.
Confirmo na solidão da minha cama que és o pior pedaço de mim e detesto tanto carecer do teu sabor, da suavidade da tua pele, do estremecer do teu corpo, dos teus gemidos incontidos e sinto raiva desta minha tanta vontade de te ter. De ceder ao que o meu corpo suplica, ao que a minha alma implora. Todo este meu desejo de ultrapassar os limites, esta necessidade de sentir o teu sabor, esta louca vontade de te ter e toda a raiva em crescendo de ceder toda a vez que o teu corpo pede, a tua alma implora e sem nunca nada me dizeres. Tu sabes o quanto te preciso de te ler.
Recorda aquela noite quando, de cabeças encostadas, os braços apertando os nossos corpos e deslizamos pela pista de dança ao ritmo de uma quase valsa. O cantor não sabia, mas naquele instante, ao cantar o La Bohéme, do Aznavour, fez-nos voar até à nuvem mais próxima. E ficamos nos braços um do outro muito depois dos últimos acordes terem desaparecido no ar.
E são esses acordes quando ultrapasso os limites no teu colo, quando te sinto inteira em meus braços, quando acaricio os teus seios, quando beijo tua boca e quando todas as loucuras perdem sentido. Morro de raiva de te amar tanto. E é esta estúpida paixão que me faz querer-te cada segundo, completa, e procuro, em desespero, esconder em teu corpo toda a denúncia de um amor que ultrapassa as nossas vontades. A tua língua, essa do coração, que eu sempre tento aprisionar.
Sei que, num qualquer instante vou ceder à tentação de te matar de amor, de te violentar de prazer e deixar que a fogueira aumente.
E se queimar e a gente morrer.
E se acabar, que seja de vez.
Porque se não for inteiro, pela metade eu não aceito.
Eu te amo e te odeio.
Esta foi a carta que escrevi, que não enviei, que desconheces, pois não é mais do que uma carta perdida.
domingo, novembro 20, 2005
Noite de Chuva
Podia dizer, filosofando, que perdi no tempo e no espaço, a recordação do gosto que tinha beijar alguém pela primeira vez, sem saber o que vai acontecer no dia seguinte, se tem mesmo que acontecer alguma coisa, mas com aquela sensação que não se vai encontrar no segundo encontro. Mas não digo, porque o primeiro beijo é algo que ultrapassa todos os nossos sentidos, que suplanta a nossa imaginação e que sempre nos faz reviver anos nunca vividos, sensações jamais sentidas. É como se, de repente, todas as nossas incertezas da juventude ganhassem de novo forma e nos dominasse, todas aquelas tremuras.
Perdera já nos confins da memória há quanto eu não sentia aquela interior timidez de encostar meus lábios de olhos fechados aos que, com igual receio, se aproximavam. O leve roçar e o ligeiro entreabrir e depois aquela vontade de me abandonar no colo de alguém. E permitir que viessem todas as palavras e sentimentos num correr suave, sem a preocupação com o que se vai pensar. Tinha mesmo esquecido como era delicioso dividir tudo, absolutamente tudo o que se tem vontade, sem disso se tomar consciência. Como as águas do rio, ou as noites de chuva. Deixar que as palavras brotassem ao ritmo da melodia que nos embalava, com uma certa timidez, sim, até mesmo com receio, mas sem temor de as dizer num sussurro, enquanto as nossas faces de roçavam e as nossas bocas chegavam aos ouvidos, proferindo as coisas que desejávamos ouvir, mesmo a não proferindo, por não necessário.
Esqueci mesmo os pactos dos começos e das promessas implícitas de liberdade, aquela que nos prende e nos ajuda a construir os alicerces. Não lembrava mais da sensação de medo, quando tudo acontece depressa demais, ultrapassa o nosso raciocínio e que nos transforma em indefesos de nós próprios. Perdera no tempo a noção dos passos, cada um deles, das etapas cheias de desordens, quando o que se sente é maior e mais intenso do que o que se pensa e o que se quer. Há quanto tempo eu não me sentia assim, tanto que eu já pensara ter perdido esse tempo.
Depois de dinamitar todas as pontes que me levavam a lugares incertos, atravessar paisagens mortas onde a água deixara há muito de existir, parei junto ao precipício e, naquele instante, tomei a decisão de iniciar a descida, só para ter a possibilidade de experimentar o prazer da subida, devagar, com passos firmes, mas tranquilos e chegar à outra margem. Quem sabe se não terei uns braços à minha espera e um regaço para descansar.
Desconheço em absoluto quanto tempo é que o tempo dura, nem mesmo sei se amanhã sentiremos o mesmo, mas acho que isso nada importa, nada tem importância a não ser o agora, porque é agora que todas as certezas nos dominam e eu sinto a vontade de reviver coisas que estavam adormecidas.
A culpa de tudo foi a chuva, aquela noite de chuva, que nos obrigou a correr para aquele abrigo exíguo e os nossos corpos se encostaram. Apesar de nada dizermos, tivemos a certeza que cada gota de chuva deixava em nossos corpos marcas indeléveis e nos nossos sentimentos uma selva de possibilidades e sensações a explorar. E toda aquela vontade a crescer. A mesma que, a cada instante, está sempre a regressar e a dominar. E assim ai ficar que não caiba mais, até que baste ou que nos obrigue a sair para a rua à procura de uma outra noite de chuva.
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