domingo, maio 08, 2005

No meio da escada

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Tudo bem, eu aceito, para quê negar e lutar contra uma vontade que nasce e cresce em cada segundo do pulsar da vida, mas porque haverias de querer a minha alma na tua cama? Deixa apenas que eu repouse nos teus braços e deite a minha cabeça nos teus seios. E fique. De olhos fechados. Quieto. Em silêncio. Num sono sem dormir.

Estaquei, num repente, bem no meio da escada, numa subida cansada. Vislumbrei ainda um pouco distante a intensidade da luminosidade dos teus olhos e tentei medir entre a distância que nos separava e as promessas que o teu olhar lançava lá para o alto. E aqui, no meio da escada, desejei não entender da razão da maquilhagem listrada de pequenos sulcos negros esbatidos. Foi o instante em que senti a luz incandescente, como se de uma montra, um palco, nunca um pedestal, onde procurávamos, em desespero, nos exibir, escondidos na nossa nudez.

Proferi num silêncio que vergou meus ombros, palavras líquidas e porosas e alguns arrebatados na defesa de espaços inexistentes, furibundos, lançaram contra mim olhares que recusei entender. Continuei parado no meio da escada, sem saber se continuava ou, dali mesmo, disparava setas furiosas que furassem todos os olhos. Gritei palavras deleitosas e ásperas, ricas de nenhuma luz divina, nem oracular. Repeti o medir da intensidade da fogueira que as chamas dos teus olhares formavam. A mão direita se fechou num degrau e meus lábios balbuciaram impotência e lançaram no degrau seguinte o impossível do desejo. Li e traduzi, o meu olhar não fora entendido e, então, deixei rolar pelos degraus abaixo, duas pequenas e tímidas lágrimas. E continuei ali, no meio da escada, sem saber se subo ou desço.

Senti, sem o entender, o ridículo de achar que tocamos as pessoas sem medo e que temos grande parte daquilo tudo dentro de nós. Somos quase pouco de coisa nenhuma. A luz voltou a piscou ainda um tanto incandescente. No meu rosto uma linha foi desenhada e se estendia do meu olho até o canto da minha boca. Havia muitos loucos em um só lugar. E a escada, esguia, desafiadora, ali continuava e eu bem no meio. Proferi palavras obscenas, primeiro apenas em sussurro, depois em gritos de suores e raiva, porque é assim que gostamos, aqui, no meio da escada, mas não menti gozo, prazer ou lascívia. Nem omiti que a alma está bem além, buscando aquela outra. Decidi, subi dois degraus e voltei a quedar-me. Deixa eu repetir, porque disso tenho vontade: porque haverias de querer minha alma na tua cama?

A mentira nada tem a ver comigo e a verdade está ali, no cimo da escada, mas não sei a distância. Até onde vai a inocência de desejar percorrer as almas com a mesma vontade de penetrar nos corpos. Não pergunto nem afirmo. É tão inocente achar que percorremos as almas. Então, sonho, rejubila-te na perda da memória no após acordar. Ai, estas vontades de coitos e acertos, do tentar de novo. Que faço eu aqui, no meio da escada? Acho que aguardo apenas o despertar do relógio e eu acorde.

1 comentário:

Cris disse...

Talvez pq qd se ama realmente se sinta necessidade de sentir o amor na sua plenitude, seja na cama ou no simples aconchego das mãos. Porque fazer amor está muito para além de fazer sexo.
Porque um corpo ao lado permite saborear... uma alma ao lado permite sentir!

Lindíssimo, este texto!

Beijinho