domingo, junho 26, 2005

As coisas do amor

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Por onde pairam todas aquelas coisas do amor, daquelas tremuras que a idade espraia e o tempo enobrece? E tudo aquilo que, um dia, naquele segundo do toque especial que virou melodia, o sentir num rodopio de sentidos, para onde foi? Em meu redor paredes brancas salpicadas de reproduções coloridas, pinceladas de imaginações pasteis. Busco o espelho e nele reflectido a imagem de um corpo anestesiado de sensações. Toco com a ponta do dedo e sinto o frio na pele. Apenas isso. Nenhum prazer, nenhuma dor, nem alegria e nem mesmo raiva. É o vazio. Sinto, mas sem tentar sequer o conjugar do verbo, a apatia correr pelas veias, como se o inteiro fosse o vazio. E naquele instante sou capaz de apagar da memória da pele todas as lembranças de toques e beijos. Apressados, escondidos, receosos, mas intensos. Esquecer no apagar, no fingir que nada aconteceu. Não pela pouca importância, nem pela fraqueza do sentir. Claro que não. Por medo. Puro medo. Não penso derramar aqui explicações. Ninguém entenderia. Nem mesmo eu entendo.

Se, neste instante, as palavras ganham voz, foi decisão minha, pensada, reflectida, as mesmas que, repetidamente, sussurro para mim mesmo, num bailado de aprendizagem. É urgente que eu possa digerir porque o compreender está muito para além de mim mesmo Acho que foi o medo que fez com que arrancasse a ligação e, assim, desligasse em todos os momentos de perigo, mais imaginário do que real. Só que nada disto me afasta de todas as mortes quotidianas que seriam muitas mais se, ultrapassando todas as previsões, conseguissem entrar em minha alma. E assim eu fui um dia. Um dia que perdi ao entardecer. E hoje me miro ao espelho e a imagem é bem diferente de todo o meu imaginário, tão igual na sua diferença, pedaços mal costurados de todas as histórias que vivi e todas as mais que, em noites de insónia, inventei, desafiando a realidade. Cada um sabe a dor que transporta. Todas as lágrimas que num caudal se transformam em rio e seguem a direcção um pouco diferente do desejo ardente, forte, avassalador, e desaguam em teus lábios, numa sofreguidão de matar a sede.

Momento houve em que pensei terem ficado muito para além do horizonte, todos aqueles medos que povoam os sentidos. Puro engano. Os medos estão sempre à espreita para o aproveitar de um simples vacilar. Tem horas que sou menino, tímido, adolescente, aquele eu que todos negam e é quando mergulho, entrego e acredito. E o medo me faz regressar, levando-me a lugares escuros, a esconsos onde anicho forçando passagem. Foi o escuro que pesou sobre mim pela responsabilidade da construção de uma felicidade que se deseja de hoje para amanhã. Aqui a minha recusa. Não quero ser responsável por qualquer felicidade, mas também por nenhuma infelicidade. Apenas desejo viver e sentir momentos, palavras, canções e poesias, trazidas pelos ventos e enroladas em ondas de espuma. Abraços que sejam mais do que amplexos, beijos que suspendam o respirar, encontros numa praia deserta, num parque de estacionamento ou numa esquina deserta. Por onde pairam todas aquelas coisas do amor? Aventuras, desejos, viagens e riscos. Nada disso. Penas faço menção das coisas ridículas, daquela sustentação que nos torna isentos de qualquer culpa. Recuso carregar nos ombros a culpa por ele vir e partir. Nada mais do que além dele próprio.

No presumir de a dor sentido, e meu corpo, por vontade própria, anestesiou, por defesa maior que o amor, então o melhor mesmo é seguir por esse caminho. Pelas linhas, que não passam de esboços, levar-me-ão a lugar nenhum. De preferir a ficar no vazio. E se o não sentir for o atalho para viver em segurança plena, pois que seja, quero ir. Não vou sentir a pele a arder de paixão, o meu corpo estremecer de raiva e resvalar lentamente por um qualquer buraco no chão. Abdico dessas dores. Se gritas eu silencio.

1 comentário:

Cris disse...

A intensidade deste texto assusta-me. E de mãos dadas te digo que apenas te sei sorrir...