quinta-feira, maio 19, 2005

A força da lei

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Pois então que venham todas as coisas e se derramem por todos os cantos e elas, as coisas, que fiquem enleadas de sal marinho e fogo com chamas até aos céus. E aí, por sua vez, que venha a lua, pois que venha e naquele céu ficam perdidas no estado de espírito as palavras ditas com presságio e sem ter podido recorrer ao cigarro que, em inconsciência de um vício vingador acendi.

Nos teus olhos todos os diálogos ditos em surdina, com abraços e sorrisos e um sabor doce na ponta da língua, derramado por cada palavra sussurrada. E tudo que não foi compartilhado, suor, lágrimas e vontades e até o desabrochar daquela flor, lembras?, aprendi naquele dia, naquele instante que durou a eternidade de um segundo a importância de olhar dentro dos teus olhos. As minhas mãos tremiam de vontade em esmagar entre meus braços, acariciar teus seios, percorrer teu corpo, tudo num só movimento, os impossíveis que a mente ordena. E foi o mesmo em outros diferentes.

Talvez algo esteja reservado para muito além de simples desejos, ou de uma camisola amarela escolhida num momento sem pensar e das transparências de um olhar a ultrapassar o horizonte, naquela praia deserta. E foi então que desceu sobre mim toda a raiva escondida numa gaveta entreaberta e tomei consciência de todo o aprendizado a escapar-se por entre as brumas do esquecimento. Vazio fiquei. De mim, de ti, de tudo e de todos. Pois que seja, mais cedo ou mais tarde acabo sempre por escutar o que não precisava de atingir, o lado mais sóbrio de mim

Não dá para perder mais tempo, é hora de assinar a poesia e clamar aos ventos e sussurrar ao teu ouvido, que não esqueci as memórias gravadas a fogo de todos e cada instante que nos deliciaram. Deixa em repouso, na areia banhada pelo fluir das ondas, todo o discurso enfeitado de frases descoloridas pelo tempo. Não sou mais criança e esqueci, isso sim, do tempo que fui.

Tenho as mãos escondidas, inventei de sorriso triste, para afastar todo o lixo do mundo, do vómito das caras lisas, das pedras que nos rolam estrada abaixo, aos tropeções. Gestos e pensares que não me podem prender e muito menos degradar, nem mesmo em força, pois dela precisaria demasiada. A fumaça sussurra, recheada de receios e medos e, talvez por isso, ninguém consegue ouvir, nem mesmo nesse negrume, impossível criar nome, com imaginação ou na consulta de alfarrábios, nem nos livros riscados e chorados, nem nos trigais que as nossas vontades semearam. E a vida, na vertiginosa lentidão, anda para a frente, umas vezes triste, outras cintilante e quantas vezes com a força da insanidade, fora do compasso.

As sementes, que as mãos em ritmo certo lançaram e os ventos espalharam, cresceram com o adubo das nossas vontades, aquelas que não se sustentam para além das palavras. Fica apenas o ténue desejo de arrancar uma lasca frágil de felicidade de um coração distante. E aqui me vergo apenas a uma só lei: Amor!

segunda-feira, maio 16, 2005

Cântico

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Olha nos meus olhos
Esquece o que passou
Aqui neste momento
Silêncio e sentimento
Sou o teu poeta
Eu sou o teu cantor
Teu rei e teu escravo
Teu rio e tua estrada
Vem comigo, não recuses
Nesta noite clara de verão
Que sejas sempre o meu melhor presente
Seja tudo sempre como é
É tudo que se quer
Leve como o vento
Quente como o sol
Em paz na claridade
Sem medo e sem saudade
Livre como o sonho
Alegre como a luz
Desejo e fantasia
Em plena harmonia
Eu sou teu homem, teu amante
Sou aquele que te tem amor
Sou teu par e teu melhor amigo
Vou contigo seja aonde for
E onde estiveres eu estou
Vem comigo
Sou teu barco neste mar de amor
Sou a vela que te leva longe da tristeza

terça-feira, maio 10, 2005

Cumplicidade

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Em que lugar recôndito foi encontrada essa simples forma de amar? A minha pergunta é um grito no meio de todo o silêncio, pelo desejo escondido, disfarçado, de fazer do meu mundo, uma surpresa na construção de lagos e lugares em que espraio todas as minhas vontades.

É um ser em meu rabiscar que diviniza concretamente o tempo que vejo em teus braços. Sou pequeno e grande em tudo o que vês em mim. Que eu não visiono, por humilde e imerecido.
Temos a imagem de inocentes certezas, pequenos pontos brilhantes soltos no espaço, pelo qual partimos em demanda. Sou a confissão em teus pensamentos. Leis escritas em reticências, naqueles muitos pontos que não foram nunca pontos finais. Em cada história reinventada um suspiro, um amor que se renova, um olhar que se bebe, uma palavra que embebeda, vontades que rejuvenescem. Acredito ser isso que me cativa no meio de tantos desencontros.

Essa cumplicidade, leves sorrisos, fugidios olhares, é o que me prende. Não é nem preciso que me contes dos teus caminhos, porque sei do calor que emana do teu corpo quando, no sofá, escuto o declamar de coisas que não conheço e tuas mãos correm em meus cabelos, com aquele jeito especial que é só teu. Cada fio enrolado em teus dedos é uma palavra de mim; um dizer que ofereço.Mergulho em teu olhar e o que vejo é puro prazer quando, sentindo muito além do que esperamos, as tuas mãos tocam-me nos lábios que, suavemente, com temor, deposito um beijo. Nesse instante de pura magia o coração acelera e como tudo que é mágico nos envolvemos em poesia.

A tua voz conhece o meu corpo, tantas foram as vezes desbravado, o tapete que tão bem conhece os nossos corpos e as nossas vontades e, por isso nos recebe. Se a noite é fria, nos aquecemos e de loucura nos cobrimos como feras em êxtase. Quero ficar perdido nesse sonho, real metáfora de uma saudade e acordar quando os teus lábios falarem aos meus do amor que somos nesse pensar e sentir. Somos a suprema fantasia, enleados numa mística realidade. Um deitar de corpos, um esculpir sereno de laços. Somos a construção do que construímos. Pedaços de textos e histórias em contrapontos. Grita em nós a pele que cobre o vermelho que a agita. Ama em nós o sentido que nos aproxima. Afinal quem és e como foi a tua aprendizagem a amar da forma que eu amo? Talvez seja a medida com que venho medindo. A palavra que espera um complemento. Ou talvez seja mesmo a metade de uma alma que deslumbrada cede ao toque e desperta sedenta desse amor que promete e que se realiza em mim. Pergunto sem cessar porque tenho tanto de ti. Por que é assim e por que confesso o intenso desbravar de sentires e quereres? Sou a tua vontade escondida, o reflexo do teu olhar e a simplicidade de uma sedução. Pois seja, eu confesso, parecemos inocentes certezas... Prova de que o amor não necessita de explicações; ele simplesmente acontece nos corpos que se procuram no infinito.

domingo, maio 08, 2005

No meio da escada

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Tudo bem, eu aceito, para quê negar e lutar contra uma vontade que nasce e cresce em cada segundo do pulsar da vida, mas porque haverias de querer a minha alma na tua cama? Deixa apenas que eu repouse nos teus braços e deite a minha cabeça nos teus seios. E fique. De olhos fechados. Quieto. Em silêncio. Num sono sem dormir.

Estaquei, num repente, bem no meio da escada, numa subida cansada. Vislumbrei ainda um pouco distante a intensidade da luminosidade dos teus olhos e tentei medir entre a distância que nos separava e as promessas que o teu olhar lançava lá para o alto. E aqui, no meio da escada, desejei não entender da razão da maquilhagem listrada de pequenos sulcos negros esbatidos. Foi o instante em que senti a luz incandescente, como se de uma montra, um palco, nunca um pedestal, onde procurávamos, em desespero, nos exibir, escondidos na nossa nudez.

Proferi num silêncio que vergou meus ombros, palavras líquidas e porosas e alguns arrebatados na defesa de espaços inexistentes, furibundos, lançaram contra mim olhares que recusei entender. Continuei parado no meio da escada, sem saber se continuava ou, dali mesmo, disparava setas furiosas que furassem todos os olhos. Gritei palavras deleitosas e ásperas, ricas de nenhuma luz divina, nem oracular. Repeti o medir da intensidade da fogueira que as chamas dos teus olhares formavam. A mão direita se fechou num degrau e meus lábios balbuciaram impotência e lançaram no degrau seguinte o impossível do desejo. Li e traduzi, o meu olhar não fora entendido e, então, deixei rolar pelos degraus abaixo, duas pequenas e tímidas lágrimas. E continuei ali, no meio da escada, sem saber se subo ou desço.

Senti, sem o entender, o ridículo de achar que tocamos as pessoas sem medo e que temos grande parte daquilo tudo dentro de nós. Somos quase pouco de coisa nenhuma. A luz voltou a piscou ainda um tanto incandescente. No meu rosto uma linha foi desenhada e se estendia do meu olho até o canto da minha boca. Havia muitos loucos em um só lugar. E a escada, esguia, desafiadora, ali continuava e eu bem no meio. Proferi palavras obscenas, primeiro apenas em sussurro, depois em gritos de suores e raiva, porque é assim que gostamos, aqui, no meio da escada, mas não menti gozo, prazer ou lascívia. Nem omiti que a alma está bem além, buscando aquela outra. Decidi, subi dois degraus e voltei a quedar-me. Deixa eu repetir, porque disso tenho vontade: porque haverias de querer minha alma na tua cama?

A mentira nada tem a ver comigo e a verdade está ali, no cimo da escada, mas não sei a distância. Até onde vai a inocência de desejar percorrer as almas com a mesma vontade de penetrar nos corpos. Não pergunto nem afirmo. É tão inocente achar que percorremos as almas. Então, sonho, rejubila-te na perda da memória no após acordar. Ai, estas vontades de coitos e acertos, do tentar de novo. Que faço eu aqui, no meio da escada? Acho que aguardo apenas o despertar do relógio e eu acorde.

quinta-feira, maio 05, 2005

Para além do infinito

Desmemorias 4


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Em meio a toda dor,
Enxerguei quem és...
És a culpa que carrego nos ombros,
És a vida que deixei de viver,
Os sonhos que abandonei.
És todo veneno amargo que experimentei,
Os caminhos errados que trilhei.
És os versos que não fiz,
Os nós que não desatei.
És todas as dúvidas que me queimam a alma,
Todo amor que não fiz,
Que não recebi...
Que não dei.
És todos os desencantos,
Todas as desilusões,
Todas as baralhadas que gerei.
És a única resposta para todas as minhas perguntas,
As chaves de todas as portas aferrolhadas,
A insónia das noites de silêncio,
Em que escrevi sem descansar...
Gemi sem prazer
Sofri na dor do ressacar
És o sentimento que me estrangula,
O grito preso na garganta,
És a venda que cobre meus olhos,
O espinho que fere a carne.
És tudo isso e muito mais...
És também a liberdade que não consigo sonhar
E o amor e raiva e ódio que guardo por ti...
Mas não te deixo
Porque tu não deixas eu partir
(Diário de páginas vomitadas)

domingo, maio 01, 2005

Para além do infinito

Desmemorias 3


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Estas palavras que procuro descobrir em páginas amareladas, onde derramei todas as minhas filosofias que, em desespero, não correspondem ao sentir em meu coração onde predominou a alma encarcerada. Mãezinha, não sei que dia é hoje, esqueci que dia foi ontem e pouco me importa que dia é amanhã. Mas hoje, mãezinha, gostava de saber que dia é. Era para colocar lá em cima, no topo da página, do lado esquerdo. Tantos de tal. Perdoa, mãezinha, não sei. É esta mente que contradiz em meu ser um sentimento que não explica a formação, com um esgar de deformação, sinto na minha boca ferida todas as palavras que não são ditas, que possivelmente jamais o serão, esquecida que foi a reconstrução da formação em cada uma das acções
Esta visão deturpada do que é a escrita por entre o muito que foi escolhido no sentimento que é explicado pelo pouco que é compreendido. Um julgamento sem fim, na culpa sobre o tempo por paralisar o relógio e, assim, permitir o passado alojar-se perante o presente a culpa de um suicídio cometido pelas lembranças que foram lembradas no tempo em que não traçaram o caminho que ficou por percorrer.
Mãezinha, mas eu queria, juro que eu queria. Lembrar que existes, que choras no quarto ao lado, de ouvir os teus soluços abafados, agarrar entre os meus dedos os ponteiros que congelaram os sentidos e que não conseguiram explicar razão porque o tempo paralisou. Um veredicto soletrado pelo vento que confessou o carregar das faíscas para o lago das lembranças. Guardadas em tesouros os lingotes que não valem o preço de um coração cortado ao meio. Uma paixão que busca uma razão, um amor que busca um pensamento, um sentido que não diz o verdadeiro pensamento de uma mente que perdeu os seus espinhos. As qualidades em que admirou pelas pétalas e em que, por tempos perdidos, reinaram por entre o olhar que o encantou.
Ai, esta confusão entre a primeira e a terceira pessoa e tanto queria encurtar a distância. Desejar no desespero proteger o coração que restou das ruínas em que se instalaram as lágrimas que nunca foram derramadas. Espinhos que silenciaram a mente e que procuraram no destruir de uma paixão, o veredicto e o entender da razão. Tentou proteger o coração entre as palavras frias que foram soletradas em momentos de estertor e silêncio. O vento gélido vindo de nortes longínquos, perdidos no branco sem fim, instalaram-se a meu lado e, ai, congelaram o seu coração que chorou durante o percurso do anoitecer que passou.
Mãezinha, grita aí de cima e diz-me que dia é hoje. Por favor, diz-me. Eu estou aqui, na parte mais sombria do fundo do poço. Grita que eu ouço. O esgar será um sorriso. Prometo. Anichado tacteio as rachaduras que buscaram a compreensão de quem a não entendeu, uma paixão que se apagou e deixou de queimar pela lareira que aqueceu as ruínas restantes das lembranças encaminhadas, o filosofo que faleceu no último brilho restante da lua.
Deixa que eu caminhe e derrame na poeira da estradas as palavras sem nexo e procura nelas a compreensão que já perdi. E depois, mãezinha, explica para mim. As estrelas que não congelaram e cortaram as linhas da razão em seu último desejo, as pontas que cercaram o seu corpo e guardaram. O seu olhar pela eternidade que esquecida, talvez até perdida, lua que escreveu na pedra que o descreveu o jaz que não foi lembrado pelos espinhos que foram guardados em sua mente.
Ruínas que tomaram a forma de um castelo e o guardou em um cómodo escurecido e manchado, lareira que teve o seu veredicto decidido e prevaleceu por toda a noite na esperança das águas tomarem conta do conveniente e acabaria com as faíscas restante nas frestas das madeiras que constituíram a sua formação, a eternidade que não durou e o despertar do relógio que revelou o olhar brilhante de um filosofo que perdeu a sua paixão por não lidar com a verdade dos seus sentimentos. O ponteiro que voltou ao seu curso determinado. As pétalas que fecharam as feridas em seu semblante pontas de estrelas que foram guardadas nas linhas desenhada na palma da sua mão, as linhas de um destino já perdido. As palavras descongeladas com a caneta, sobre a mobília abandonada na filosofia de amar sem um compreender a perfeição, o não saber explicar o sentimento existente dentro de um coração que se apaixonou pela perfeição de uma rosa, como provam as suas pétalas e revelou nos seus espinhos a lembrança de um anoitecer, em que as estrelas dominaram sobre o seu olhar cansado. Momentos de felicidade que descreveu as batidas do seu coração e a lembrança que não perdeu no seu ser que não se acabou, a eternidade de caminhar por uma corda fina como um palhaço perdido dentro da tenda do seu circo, um picadeiro com a sua plateia silenciada, o admirar do desenho feito em uma folha amarelada, o olvidar das filosofias e o relatar em rectas dos pensamentos criados. A serenidade de amar sem ao menos ter a compreensão do termo criado pelo cientista que busca a sua química de compreensão um amor que não se findou. Terminara por entre as pedras que cercara um túmulo que será esquecido por entre os espinhos que o formara. As mesmas, eternas, pétalas que serão jogadas pelo caixão e o protegerá da realidade de não amar durante o caminhar. Não existe mais ninguém neste mundo que eu possa abraçar. Não existe mais ninguém. Só tu, mãezinha, apesar de tão longe. Apenas uma parede nos separa, mas que longe estamos, mãezinha. E se me deixares agora, deixará tudo que nós fomos incompleto e perdido, mais do que estou. Não existe realmente mais ninguém. És a única. E continua sendo a parte mais difícil para ti, colocar a tua confiança em mim. Eu te amo mais do que eu posso dizer, mãezinha. Só não sei que dia é hoje e não adivinho que dia será amanhã. O ontem já eu perdi. (Diário de páginas vomitadas)