domingo, julho 17, 2005

Perdi a cabeça

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É toda aquela sensação que estremece e me faz vibrar e aí ganho a certeza que sou do tamanho do céu, mas muito mais pequeno do que o teu sorriso imenso. A dor, essa, se esvaiu no tactear dos meus dedos em teu corpo, o mesmo que os meus braços deixaram fugir. A fome ficou saciada de sorrisos e lágrimas. Tudo findou e nada mais resta. Tudo ficou em mim, guardado em algum lugar, onde tento a busca sem sentido. Ah, que sucesso para toda a gente! Mas a verdade é que os deuses estranhariam se não me apaixonasse por ti e eu não os quero zangados. Eles me protegem e enxugam minhas lágrimas, curam minhas feridas.

Agora a estrada é outra e os caminhos de terra batida, poeira levantada, os meus e os teus que percorremos e desejamos seguir os percursos que nunca ninguém traçou. É quando nasce o sonho. Recusamos terminar ontem e, mais uma vez, deixamos para hoje. Aquele adiar que a vontade comanda. Mas hoje vou sair mais cedo.

Mais uma vez esqueci de comprar a comida do meu cão. Também não me lembrei de dar os remédios à minha irmã. Por onde paira o tempo de ficar em casa? Aquele deixar andar, o espreguiçar no sofá, abrir o livro e não passar da primeira página. O quarto de cama desfeita com apenas uma almofada, inundado de confusão de roupas espalhadas. Que faz ali aquela fotografia? Em que século foi ela tirada? Esqueci, como esqueci o seu significado. Uma coisa eu sei, estava mais magro e o cabelo estava um pouco menos branco. Que chato, a mulher-a-dias não varreu a poeira daquele canto. E não arrumou a roupa, mas isso é por vontade minha. Deixa ficar que um dia eu arrumo.

Hoje perdi a cabeça e escrevi muito, tanto que enchi o depósito da caneta de tinta permanente duas vezes. Velhos hábitos que recuso mudar. Na verdade era mesmo necessário ter acontecido tudo aquilo. Aquele horizonte que descobri em ti, o ponto exacto onde o céu toca no mar. Vendo ou não o carro? Não sei. Nem à esquina consigo ir sem ele. Vou trocar. É urgente possuir algo de novo. Ainda não escolhi o outro caminho. O mais certo é ficar por este, cujo fim não vislumbro e o caminhar me enche de poeira que o arrastar dos meus passos levanta.

Tenho saudades da água quente de banheira cheia e inundada de sais perfumados, pequenos luxos que a saudade faz estremecer. Tanta coisa que tenho para te dizer. Tanta coisa que quero dizer. Amo o teu toque, o leve estremecer do lábio inferior nos instantes em que os sentidos dominam a tua vontade. Já te disse que te amo hoje? Deixa, digo amanhã. Prometo. São estes medos. A Maria me embala e me transporta para outros mundos. A Maria Bethânia, senhora e dona dos meus sentidos. Sei que não precisava, aqui no computador tem um mundo de músicas, mas eu preciso de tocar a caixa, acariciar o disco, colocar na vitrola e pôr o som no máximo. Estão a ver porque não gosto de escrever no computador! A vitrola era desconhecida.

Tantos foram os filmes que já assisti, tantos os trilhos que percorri, que tem momentos que acho que a minha vida é pedaço de todos esses roteiros. Talvez por isso adivinho o final de todos eles. Tanta coisa previsível. Mas eu não, eu recuso em sê-lo. Que se zanguem os deuses, mas não o serei. Perdi a pressa. E a vontade de ir para casa. Ora, a minha casa é em todo lado, em qualquer canto, sou um morador do mundo.

6 comentários:

Cris disse...

Perde sempre assim a cabeça se dessa forma resultarem textos como este...

Superaste, neste texto, tudo o q já li de ti... Se sempre te chamei o Sr das Letras atrevo-me a tratar-te hj por Mestre. O texto está simplesmente bem escrito e transmite uma força de uma profundidade indescritível!

Parabéns, Alexandre!

Um beijo enorme

Mitsou disse...

Ainda não foi hoje que pus a leitura em dia mas já falta pouco. Venho só deixar um beijinho numa pausa. Os caixotes que esperem que agora estou a visitar um amigo cuja escrita me encanta :) Até breve, Alexandre!

Å®t Øf £övë disse...

Alexandre,
Vim para agradecer por teres participado no aniversário do "ABOUT LAST NIGHT", e por teres ajudado a soprar as velas.No entanto a festa ainda não acabou... porque faz precisamente 365 dias que a Ðä®k_Åñgë£ iniciou por lá a sua participação.
Abraço.

Anónimo disse...

Há coisas tão nossas, que até ganham a nossa essência. Parabéns pelo texto. Um aplauso. Abraço.(Dé uma visita ao meu blog pode ser que goste.)

Unknown disse...

Mais uma maravilha como só tu sabes escrever, Alexandre és o maior.
Beijos

Menina Marota disse...

Belo este texto!
Estive a ler os textos que tinha em falta, e fiquei presa aqui a ler-te.

Um abraço ;)