quarta-feira, abril 20, 2005

Apenas Beijos

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Na demanda do silêncio encontrei respostas em páginas soltas amarelecidas de um tempo de sorrisos e outros ainda de vazios de tempos. De olhos cerrados fitei o vazio cheio de meus desejos. Dei um giro no fundo e me deixei solto em mim, sentindo o que eu nem mais recordava. Por falta de coragem ou apenas com a simplicidade do esquecimento. Por instantes, breves, fugidios, senti um arrepio como se uma estranha sensação aprisionasse todo o meu ser. E ri dos meus medos. Assim. De frente. Com coragem. Jurei afiançar por muito tempo que eles eram os monstros que hospedavam meu pensar. Olhei-os de frente e descobri que, afinal, nunca foram maiores que minha limitação. Nunca se expandiram sem que eu permitisse.

Naquele tempo de busca encontrei, já nem sei onde, o que ainda era uma menina frágil na sua leve doçura, com os olhos inundados de saudade, a luminosidade de um horizonte por alcançar. Da saudade do que ainda não se viveu. Como ela estaria ali com os cabelos soltos em cascata, tocando levemente os ombros, olhando as marcas de passos perdidos na terra batida. Naquele momento não entendi porque ela sentia falta de algo que possuía. E como ela sorria, como se fosse o seu primeiro amor e brincava com ele, com o coração batendo acelerado, correndo por espaços que confinam nos seus braços e se espraiam em redor do seu corpo.

Esta menina não me era de todo estranha. Tinha um não sei quê de ternura embevecida, um olhar perdido no esvoaçar de uma folha amarelecida pelo Outono. Por um segundo senti novamente aquele medo não descrito por simples palavras e tentei fugir, talvez escalar a mais íngreme montanha na decisão de encontrar uma caverna para ocultar as lembranças. Não que elas não fossem bem-vindas, mas por serem somente minhas e por achar que em um lugar onde só eu pudesse entrar, elas estivessem seguras. Apertei as pálpebras e mordi o lábio sentindo o sangue quente em minha língua e em meu paladar. Talvez tenha agido assim para despertar do momento que me domava, mas não me desviei dele por mais que eu tenha tentado. A verdade é que eu sabia que não queria fugir mesmo sabendo que eu estava caminhando por caminhos conhecidos e ao mesmo tempo desconhecidos. Foi como se uma mistura de realidade escapasse do tempo concreto e tudo acontecesse de uma maneira sistemática entre o sonho e a capacidade de sentir o físico.

Aos poucos fui sentindo uma transformação que eu almejava e que não conseguia alcançar. Todos os momentos desfilavam à minha frente e a criança que fora e se perdera, sorria e outras vezes chorava, sem desistir de suas metas.
Compreendi que essa menina frágil e ingénua era dona de muito mais saber do que eu pensava existir. Olhei-a nos olhos e me vi reflectido em sua pupila. Um rosto cansado, cheio de marcas. Um sorriso triste e um quê de felicidade que foge à tradução. De leve como quem quer aproximação esbocei um leve gesto de paz sentida. A criança aproximou-se e cobriu-me com sua luz que tomava todo o ambiente. Vi nas janelas de seus olhos uma existência para além do infinito. Eu me via, ali, prostrado, na busca de um em vão. Na busca de explicações ouvi uma voz sem que essa menina movesse os lábios. O que ouvi me trouxe as respostas. Que em desespero tentei traduzir.

Não precisamos manter os olhos abertos para enxergarmos o que buscamos, e sim fechá-los umas quantas vezes para olharmos para o interior que é nossa demanda. É onde estão todas as soluções para o que julgamos sem solução. No eu completo se exprime o vento que, num leve assobio, murmura segredos da noite que meu espírito protege em renascimento. E esboçamos beijos sem significados semânticos, apenas beijos.

2 comentários:

Mitsou disse...

É isso mesmo, Alexandre. Tanto teimamos em manter os olhos abertos que acabamos por não ver o que é importante. Procuramos caminhos sem pedras e, às vezes, é debaixo de uma dessas pedras que, esforçada, tenta vingar uma nova plantinha. Basta afastar a pedra e deixar que a luz do sol e a água da chuva lhe tragam o viço desejado. Belíssimo texto, como sempre. Um beijo risonho e confiante :)

Cris disse...

Hoje as palavras faltam-me para te comentar. Leio, por vezes, textos, por essa blogosfera fora, que me comovem. Geralmente comento-os escusando-me de dizer q uma lágrima teimosa me beijou. Hoje, porém, n to oculto...

Que dizer-te?... são beijos! Apenas beijos!...